Se você não segue o sistema, te chamam de "sistemático".

terça-feira, 23 de abril de 2024

A Excomungada



Malcontida no guizo corpóreo, 
a fera quer fremir.
É gérmen do cacho de uvas,
sino da videira tangendo,
e vidar o suco
para a semente parir.

"Golfinhoto" ou "crocofante"
cujo aquário é o lagar,
salta embalde,
ação sem cor,
embora gritante.

Coração não arrefece.
Da flor azul aos frutos síliquas
do alto da palissandra,
a semente quer se lançar.

O vento sabe:
se ferido o tronco da mangabeira,
dele o leite borbotará.

Então,
iniciemos o pugilato bacântico,
ó mênade do tantra, do pompoar,
calca-me na face o salto
fictícia rainha de sabá.

Ora exilada do éden,
albergada no jardim de Epicuro
a cobra rasteja por entre os morangos
ainda humilhada.

Vem o boto cor-de-rosa
soerguer com o focinho
a aba-do-chapéu branco.

Shiva e Shakti...
sejamos híbridos e livres
na dança nupcial.

Eis a palavra de segurança
revelada com a pedra da roseta:

Eu sei que buscas pela dor
um efetivo amor, paz e
um simples carinho,
ambos, nós dois queremos,
a pedra filosofal.

Perdida em voraginosas brumas,
onde agora te mortificas, excomungada?

Minha sombra acompanha os
rios subterrâneos, mas,
nem desfalecida no tártaro
ela te encontra a ti.

Não morras sem mim!
Perdura!
Dar-te-ei da vida o sangue,
que o orgasmo perde
e não segura.

Ainda que eu dominasse
a última flor do lácio,
nós dois nos tornaríamos
o bode dos que
fazem a prédica copiosa.

Ainda que nós arrependêssemos
dos instantes da "maithuna"
diante do relicário,
comunhão, simbiose
cafrice e humilhação,
qual de Leopold o romance...

também a bela seria
transformada em fera.

Morramos juntos maldita!
Morramos com os graves gemidos
da carne, na teofagia dos lobos,
essa carne que abafa
os acutíssimos gritos seráficos,
na ascensão da serpente de fogo.





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segunda-feira, 22 de abril de 2024

TU


Faço das coisas secundárias,
o que não posso fazer com o primor.
Expressão de poesia e arte,
congelamento da harmonia pura,
ou puro disfarce da dor.

Mas tudo que eu falo é "mentira",
devaneios da ilusão.
Só me acreditem quando eu
estiver silente, submerso
em contemplação.

Porque a mulher que eu amo é
aquela que alça-me da derrocada,
quem é digna das declarações poéticas,
esta que eu chamo de minh'alma,
ou simplesmente de amada.


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domingo, 21 de abril de 2024

SIDARTA



Por tua causa,
por efeito de ti...    
fiz o "voto do sol".

Suportei a dor de ser erguido do chão
por anzóis, pelos mamilos;
não antes de ser
humilhado como um "mustang" capturado,
como um cão ou bandido

Delírio...

Vi-me sendo sepultado em Portugal, 
sendo a minha cova
a boca da "serpente ctônica".
Escorregando por suas entranhas escuras,
fui parar na lagoa azul da Islândia.

Ergui-me ainda confuso,
entre os acalmados
banhistas das águas termais,
e disse solenemente:

Atenção:
Atenção:

De onde eu venho,
encontrei mulheres falsas,
fofoqueiras, gente de baixo nível.
Mas entre vós, eu busco
aquela que é o reflexo de minh'alma.
Desconheço a cor de seus cabelos e olhos,
jamais contemplei a formosura de seu corpo,
mas sei que ela tem um sangue azul
e um caráter real.
Já sobrepujei os nove vermes de Re-stau,
dou-vos por oferenda uma porção
do que sobrou do meu pranto: o sal.

Usai para aveludar a vossa tez, meus amigos,
para que nunca fiqueis como eu,
um "Ulísses" ou um "Tristão" mendigo,
um ex-conde do Principado,
um "samana" sem sorriso.

Mas por favor!
Vós que tendes amor,
queirais  informar-me: Há por aqui
uma mulher chamada Nirvana,
Sophia, também conhecida por Paz?

Diante do silêncio,
depositei o sal ao pé de um moinho,
e parti, vendo mulheres nuas
e sem cabelos me olhando tristemente,
como se não pudessem se
transformar em ursos azuis.

Não desejando reencarnar,
fui aceito como ajudante
do "Barqueiro Caronte".
Só então, deixei de buscar,

e todo o amor que eu
houvera reprimido,
passei a distribuir,
com todos os mortos,
eu quis a todos amar.

Hoje, escrevo poemas,
como se minha alma
ouvisse entre uivos de lobos,
entre sons de cem tambores
e flautas de bambu,
o coro de muitos "Siouxs" irmãos,
acolhendo-me como digno guerreiro.

Em tudo, ouvindo o som do rio e do coração,
aprendi que o amor não se busca,
o amor é flor de se dar,
como a alguém se daria
 a flor de Sidarta.



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sábado, 20 de abril de 2024

A Insolólita Busca do Amor

 



Vai, segue só,
do espírito o  sopro
ascendente.

Desce onde queres descer
decidido do querer.

Viaja pelas ocas
escarpas do tempo
espirala nos momentos teus,
como na busca do rebento por apoio,
como na minha insólita busca...
por Deus.

Vai,
até o fiel do meu coração,
sobe pelo vórtice à mente
ou desce seguindo
o corrimão da serpente...
no espaço de meu porão.

E como a ninfa dos meus sonhos,
finda esse mortório
de insustentável pureza,
em paga da sangria,
enquanto não desfrutei da floresta,
enquanto cativo na cabeça.

E na doce penumbra esverdeada,
sente tudo que quiseres,
depois desapega-te.

Mas depois deste pecado
esquece que te amei,
me esquece.

E segue só
do espírito o sopro
ascendente.
                      Adeus!


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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Do Enganar-se

 



Um conforto que disfarça
da vida
o desconforto.

Enquanto a mente
permite a crença
na ilusão organizada.

A esperança
de acabar
o esboço...

é só mais um tijolo
que se finge reboco,

ou uma lágrima
com pena de
Carlitos;

um riso que
devia ser pranto,
ou um canto
se recusando
a ser grito.


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quinta-feira, 18 de abril de 2024

A Cor Amiga

 


Atrás de um bosque de choupos,
construí pitoresca choupana
(num isolamento absoluto).

Mas o cúmulo do absurdo,
eu ouvira da densa nuvem vermelha
a serpejar nas grimpas da serra,
onde o gafanhoto e o condor voam:

"Sussurros!
  Sussurros!"

Escapou-me um urro
como o  de um
cãozinho atropelado.
Silêncio! (clamei)

E logo disse a rolinha
ao vento insano:
"É fogo de amor!
É fogo de amor!"

Ai! Como eu chorei!
Até os pequeninos da mata
em suas conferências
zoam com a minha dor.


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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Outra Forma de Amar

 


Também tiram-me
o céu de sob os pés...
pois bem; fingirei calar-me.

Que ilusão!
Vou mergulhar
na opulência
das cores e pintar.

Pintar e pintar,
com a devoção
que se deve amar!
Ai meu Deus!
Como eu desejo
somente pintar!

Ocultar-me-ei
no branco da calla
e das camélias,
vou exaltar os
cachos de jacinto
de todas as cores,
como se um tapete
de prímulas
ou balsaminas
eu pintasse.

Quero sentir
a força do amarelo
do girassol e
do amarílis
e também
a profusão
do amor perfeito.

Vou emoldurar com a bardana
as mechas das lavandas
e as névoas de oleandros,
e hei de definir as pinceladas
verticais com a
personalidade do delfínio.

Próximo das flores
azuis vou mesclar o
violeta do limonium
e das  lobélias,
talvez salpicado
com pontos de miosótis
e ranhuras de rosmaninho.

Vou ferir tal degradê
com tufos do vermelho
da poinsétia,
sim eu juro que
o farei, com
a luxúria  da espátula.

Contudo,
depois de embriagar-me
com o cheiro do nardo;
das rosas e papoulas,
pintarei o seu retrato
com um mágico olhar.

Para consolidar o fundo,
vou cravar a consólida
entre cravos e cravinas
diluídas com
óleo e terebentina.

Acometido por
derradeiros delírios,
finalizo a tela com
borrões de lírios e heras;

e urge por
acónitos, com
um toque de urze
entre as folhagens
numa repentina
sempre-viva
vontade de te amar.


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